domingo, 22 de março de 2009

Uma maratona e um arrepio de felicidade

Derradeiro dia em Roma. Rei morto, rei posto. Enquanto eu arrumava minhas malas, Karsten, o amigo de Marco, já estava em nosso quarto, pronto para assumir minha cama. Troquei e-mail com os alemães e lhes dei um abraço, coisa que estranharam um pouco, mas bem penso que gostaram.

Ao fazer o check-out, recebi um bilhete de Íris. Havíamos combinado de nos encontrar em Roma, antes de irmos para a feira em Bologna, mas só hoje recebi seu recado. Ainda fui ao seu hotel, mas ela já tinha saído. Nos encontraríamos só em Bologna.

Como minha gripe houvesse regredido, depois de comer minha conchiglia cioccolata, resolvi sair pra caminhar com o objetivo de rever a Fontana de Trevi e conhecer o Pantheon. Procurando encurtar caminho, o que é um perigo, pois corre-se o risco de se perder pelas ruas labirínticas de Roma, entrei pela Via dei Giardini, a Rua dos Jardins, que tem a forma de um arco de 90 graus e que, segundo o mapa, liga a Via Del Quirinale à Fontana de Trevi.

O risco do atalho rendeu uma coisa inédita e uma surpresa. A coisa inédita foi estar sozinho numa rua de Roma. Minha impressão é de que não havia rua deserta por aqui, onde quer que se entrasse se encontraria alguém. Pois lá estava eu sozinho, fazendo o arco da Rua dos Jardins, quando me surpreendi com um pé de tangerinas, ou de laranjas – estavam muito altas para que eu pudesse pegar uma, comer e definir. Confesso que não tive coragem de procurar um pedaço de pau e tentar derrubar uma laranja daquele verde carregadinho de belezura. Tirei uma foto. Essa aí. Se fosse um vídeo, teria barulho. A rua era silenciosíssima, mas havia um helicóptero parado no céu, a pequena mancha horizontal e negra no alto da foto, entre o prédio e a árvore. Logo adiante, na rua, os carrinhos pequenos, estacionados, são dos Carabinieri, os policiais italianos. A Rua dos Jardins tinha mais carros policiais que árvores.

Quando completei o arco da rua, realmente deparei-me com a Fontana de Trevi, mas tive que esperar um pouco para atravessar a rua porque os corredores da Maratona Anual de Roma estavam passando por ali. Aproveitei para subir uma pequena escadaria e tirar a foto. Quando o fluxo de corredores diminuiu um pouco, deixaram a gente atravessar a rua. Fui tratando de abrir caminho na multidão, descendo os primeiros degraus para me aproximar da fonte. E foi bem nessa hora que aconteceu: um arrepio de felicidade. O vento frio me tocou, mas desta vez não com incômodo, e sim com alegria. A verdade é que me senti feliz, uma felicidade que durou apenas o tempo de um arrepio, dois ou três segundos, mas que, como toda felicidade, é eterna no instante e na memória. A minha felicidade me fez ver também a felicidade dos outros, principalmente daqueles que jogavam moeda na fonte para, segundo a lenda, garantir um retorno futuro a Roma. Depois de jogar minha moedinha, dei uma de paparazzo e filmei um casal jogando as moedinhas. Filmei o casal certo, porque foi lindo. Confiram aí.

A felicidade me encheu de coragem. Coragem suficiente para, ainda me curando de uma gripe e à temperatura de uns 10 graus centígrados, tomar um sorvete de tiramisù. E não é que estava delicioso e desceu muito bem. Lembrei daquelas pessoas que estranham nós, nordestinos, tomarmos sopa no calor. Descobri que tomar sorvete no frio é tão delicioso quanto.


Continuei minha caminhada na direção do Pantheon, mas, no meio de uma ruelazinha de uns 3 metros de largura, havia um cartaz sobre uma exposição de modelos criados a partir de desenhos de Leonardo da Vinci. Parei para ler o cartaz e ver onde era a exposição. Pois não é que era ali mesmo. Mesmo achando que estaria fechada, porque era domingo, entrei no pátio. Para minha surpresa, a exposição estava aberta. Paguei os 7 euros e entrei. Fiquei impressionado com a simplicidade e a beleza da exposição. E desconfiei, vendo aquilo tudo, que Leonardo talvez tenha sido uma reencarnação de Dédalo, o grego que construiu o labirinto. Os dois tinham o mesmo gênio.

Finalmente cheguei ao Pantheon, a “morada de todos os deuses”. Mas o que mais me chamou atenção foi um homem de traços orientais, sentado no chão, encostado numa parede, com seu bloco de desenho no colo. Fiz um pequeno filmezinho dele.

Depois entrei no Pantheon, que hoje é uma igreja. Sentei-me num dos bancos de madeira, fechei meus olhos e fiz um agradecimento a todos os meus “deuses”, a todos os meus guias, a todas as pessoas que já me orientaram nessa vida. Fiquei um pouco em silêncio, levantei-me e continuei minha caminhada.

Aqui e ali, eu cruzava com o percurso da maratona, e me comoviam as cenas de entrega de garrafas d’água, de beijos e de gritos de incentivo. Cheguei, enfim, à escadaria espanhola que, como alguém já havia me dito, não tem nada demais. Aliás, tinha até de menos, porque algumas moças tiravam os agasalhos e blusas para se bronzear, deitadas sobre os degraus e corrimões. Não tive a cara-de-pau de tirar fotos mais picantes, então fiz só essa aí, de dois “banhistas” tomando sol, mas com roupa mesmo. Ao fundo, os maratonistas.


Já tinha cumprido meu programa do dia, e ainda me restava algum tempo. Então, quando cheguei ao topo da escadaria, resolvi me dar ao luxo de ficar parado, vendo um desenhista fazer o retrato de uma turista. O desenhista me pareceu muito gentil, pois, enquanto desenhava, omitia as rugas da retratada, que tinha uma cara de muita curiosidade. Eu fiquei até o final só pra ver o sorriso da mulher ao ver o retrato. Foram deliciosos minutos de silêncio, só vendo o movimento das mãos do desenhista e a imobilidade do rosto da mulher que apenas, vez por outra, permitia-se ajeitar um pouco o cabelo despenteado pelo vento.

Peguei o metrô de volta para a estação de Termini, um lugar que também se tornou favorito para mim, talvez por ser o lugar das conchiglias. Comprei uns caderninhos de anotações coloridos, para mim mesmo e para dar de presente, almocei uma lasagna (com GN, afinal estou na Itália). Aproveitei para tirar uma foto do interior da estação. Não dá idéia da enorme dimensão dela, mas mostra um pouco dos serviços.

Com tempo e frio de sobra, resolvi esperar pelo trem já na plataforma, quarando ao sol e terminando de ler o livro sobre Leonardo da Vinci. Esse trem que fotografei é igualzinho ao que peguei. Bonito por fora, confortável por dentro. Uma belezura.

Não poderia terminar o relato de meu derradeiro dia em Roma sem mostrar pra vocês o principal instrumento desses quatro dias: o mapa da cidade. Até o defeito dele (não ter todas as ruas, principalmente as minúsculas ruas) foi proveitoso: porque perder-se em Roma é surpreender-se com coisas que, literalmente, não estão no mapa. Despedindo-me mentalmente da cidade, fiquei fazendo uma paródia da famosa frase do filme “O Mágico de Oz”. Dorothy diz: “There’s no place like home” (em tradução livre, “Não há lugar como a nossa casa”). E eu fiquei dizendo: There’s no place like Rome, não há lugar como Roma. Mal sabia eu que ficaria repetindo essa frase como um mantra durante a minha estadia em Bologna. Mas não vamos misturar amor e dor, o relato de Bologna ficará para depois.

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