terça-feira, 24 de março de 2009

Karma à bolognesa

A expectativa era a melhor possível. Cinco dias em Bologna, aproveitando a maior feira de literatura infantil do mundo e sendo hospedado por uma italiana, que eu não conhecia pessoalmente, chamada Giulia (nome que, trocando GI por J, só me traz as melhores recordações).

Quando estava planejando a viagem, ainda no Brasil, eu havia conhecido uma comunidade chamada Coachsurfing, surf de sofá, que consiste no auxílio mútuo entre viajantes. O auxílio pode incluir hospedagem. E eu consegui que uma integrante do Coachsurfing, a Giulia, me hospedasse.

O combinado era o seguinte. Eu chegaria no final da tarde na Estação Central de Bologna, depois pegaria um trem para Castel Maggiore, uma espécie de cidade-satélite de Bologna, onde mora Giulia. De lá, eu telefonaria e Giulia me pegaria na estação. Mas não foi exatamente assim...

O primeiro impacto foi a Stazione Centrale. Para quem vinha da espaçosa e moderna Termini, de Roma, a estação de Bologna tinha um ar atrasado. Basta dizer que o serviço de informação ao turista já tinha fechado, em pleno domingo. Não consegui pegar um trem para Castel Maggiore, só consegui a indicação de um ônibus. Graças a um italiano simpaticíssimo, que me levou até a parada, e a uma italiana tímida, mas linda, que me indicou a parada certa na qual descer, cheguei em quinze minutos a Castel Maggiore, às 19h, exatamente no horário combinado. Caminhei uns 300 metros até a estação, para ligar de lá para Giulia. Cheguei lá e a estação pareceu deserta. Entrei, e continuava parecendo deserta. Fui até a plataforma, e verifiquei que estava realmente deserta. Eu era a única pessoa naquela estação. Na verdade, a estação estava tão deserta que até os telefones estavam ausentes. Você consegue imaginar uma estação (de trem, de ônibus, de metrô...) sem um aparelho telefônico? Pois existe.

Então saí com uma mochila nas costas e arrastando uma mala em busca de um telefone. Gente, eu até poderia escrever detalhadamente o que passei, mas vou resumir porque só de lembrar já me dá cansaço, desânimo e vontade de choro. Então, uma hora depois, com a ajuda de um romeno, consegui ligar para Giulia, que me pegou próximo à estação.

Giulia tem um apartamento lindamente decorado com objetos de suas viagens.Para jantarmos, fez uma pasta deliciosa – não me lembro qual – à bolognesa. Depois sentamos e conversamos, contando um pouco das nossas vidas. Giulia quis conhecer meus livros, e até leu um deles, Redonda, já que sabe um pouco de português. Antes de dormir, de surfar meu primeiro sofá (que, ao ser aberto, se transformava numa cama), eu estava com vontade de contar o derradeiro dia em Roma e a chegada em Bologna, mas não há conexão à internet na casa de Giulia, então resolvi deixar para fazer isso no dia seguinte, na feira de livros para crianças.

Peguei carona com Giulia, que me deixou em frente ao centro de convenções. A primeira coisa que fiz foi tentar uma conexão, mas todas as minhas 397 tentativas realizadas durante o dia foram frustradas, e o notebook foi apenas peso em minhas costas. Dei uma volta geral pela enorme feira: é aproximadamente do tamanho de três bienais do livro do Ceará ou de São Paulo, com o detalhe que aqui só são livros infantis. Um mundo que as crianças adorariam visitar, caso lhes fosse permitida a entrada, mas a feira é só para editores, ilustradores, autores e agentes literários. Os livros nem estão à venda. São só pra ver e folhear.

Mas a verdade é que não aproveitei direito o primeiro dia de feira sem internet (consequentemente sem poder falar com Alba nem poder atualizar o blog). Às 18h, meu desejo era voltar pra casa, parando para comprar o Yakult e garantir minha felicidade intestinal por mais alguns dias. Peguei um ônibus, lotado, até a estação central. Dessa vez consegui informação sobre o trem para Castel Maggiore: um funcionário me disse para pegar o trem 11, com destino final em Veneza, na plataforma 2. Corri e entrei no trem a tempo: a tempo de esperar uns 10 minutos antes dele partir – em pé, porque os lugares sentados estavam todos ocupados. Quando as portas se fecharam e o trem entrou em movimento, o motorista indicou os pontos de parada, e eu senti falta dele falar Castel Maggiore. Utilizando o pouco italiano que sei, perguntei para a mulher ao meu lado: “Non ferma in Castel Maggiore?”, “Não pára em Castel Maggiore?” A mulher não soube responder, mas um homem que havia ouvido a pergunta e que tinha entendido minha cara de bezerro desmamado, como que perguntando “e agora, o que é que eu faço?”, respondeu em italiano algo que eu traduzi como: “Desça na primeira estação e pegue um trem local de volta”. “Grazie”, eu disse, “obrigado”. O detalhe é que a “primeira” parada era três paradas após Castel Maggiore. Tudo bem, agora era só pegar o trem local de volta que passaria às... 20:18h. Exatamente. Eu, que a essa hora deveria estar em casa de Giulia, de Yakult tomado, teria que esperar quase uma hora para pegar o próximo trem. E deixa eu resumir de novo porque já estou revivendo tudo aquilo... Depois de uma parada num bar para tomar um cappuccino e comer um chocolate, cheguei em casa por volta das 21h, três horas após sair da feira, completamente exausto e com uma decisão tomada: no dia seguinte, procuraria um hotel na área urbana da cidade. A decisão não me impediu de ter uma noite agradabilíssima com Giulia e seu namorado, Alessandro, que fala bem português e que é praticante de capoeira. “Peccato”, assim Giulia resumiu o fato de eu não permanecer lá. “Realmente uma pena”, eu concordei. Seria uma pena perder aquela convivência tão legal com Giulia e Alessandro, mas eu não tinha mais paciência para lidar com os problemas de comunicação e transporte em Castel Maggiore.

No dia seguinte, suponho que Júpiter, em trânsito, entrou na minha casa 2, a das finanças, porque eu comecei a gastar... Paguei um táxi (9,0) pra ir do centro de convenções, onde Giulia me deixou, até a Stazione Centrale. Paguei o depósito (5,20 por seis horas) de bagagem na estação pra não sair puxando mala enquanto procurava hotel. Paguei tempo de lan house (2,0 por uma hora) pra agilizar a localização e reserva de um quarto. Fiz – e isso, sim, foi um grande investimento – uma reserva no valor de 247 euros por três dias num hotel próximo ao centro de convenções. E paguei outro táxi (9,0) para ir com a bagagem para o hotel. A situação tinha estado tão ruim, nos dois primeiros dias em Bologna, que achei isso tudo uma pechincha. Agora só faltava conseguir conexão na feira. Que nada! Saí correndo do hotel, de notebook nas costas, pra ver se conseguia configurar a rede antes da feira fechar naquele dia, mas a rede wi-fi da Telecom continuava sem me dar acesso, mesmo eu estando disposto a pagar 5 euros por três horas. O jeito foi contratar a rede sem fio do hotel por módicos 5 euros por 30 minutos. Isso mesmo. Mas eu já disse, estava tudo uma pechincha, e pedi logo uma hora por 10 euros. “Mas isso são 30 reais”, você pode exclamar, fazendo mentalmente a conversão monetária. E eu responderei sem responder, lembrando as sábias palavras do cearense que encontrei no albergue Yellow, em Roma: “Quem converte não se diverte”. Minha diversão foi ligar para o celular de Alba via Skype (mais uns trocados) e descer para o restaurante, onde comi mais alguma coisa “à bolognesa”. Ah, como é bom ter um dinheirinho extra para poder esbanjar numa situação de emergência.

No final das contas, foi um karma pago. E quem sou eu pra reclamar de que foi com juros? Vai que eu cometi um crime grave por aqui há alguns séculos, e que agora tenha recebido até um belo desconto.

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