sexta-feira, 27 de março de 2009

Um peixe dentro d’água

Descobri que amo a rotina. Redescobri. De vez em quando, esqueço disso e me ponho a extrapolar a aventura, esquecendo meus limites. E meus limites são: tempo sozinho sem ter que fazer nada; e conexão com a internet para me comunicar e descobrir coisas.

Então, tendo pago o karma, ainda me restavam três dias em Bologna. E a quarta-feira já começou melhor. Caminhei 500 metros até a feira, e cheguei bem disposto e animado. Tirei até foto, sorrindo. Achei genial o logotipo desse ano. A princípio, tem-se a impressão de que são caracteres orientais – o país homenageado desse ano é a Coréia. Mas depois se percebe que os caracteres são ocidentais, apenas estão estilizados à maneira oriental.

O dia-a-dia na feira resume-se basicamente a percorrer os estandes, dar uma parada naqueles que mais chamam a atenção, folhear alguns livros e recolher alguns catálogos e marcadores de livros. Por duas vezes, já enviei um grande envelope cheio desses materiais para o Brasil, já que não adianta eu ficar carregando isso aqui pela Itália.

De vez em quando, também arrisco uma conversa com alguém do estande. Por exemplo, passando pelo estande da editora da universidade de Bologna, vi o atendente rabiscando algumas coisas numa folha de papel. Na verdade, a folha toda estava rabiscada, numa só cor, o vermelho, e o padrão abstrato me atraiu. Perguntei o que era, e ele falou que uns desenhos. Pedi pra ver de perto, e me surpreendi. O que pensei serem rabiscos eram, na realidade, desenhos escondidos, feito aqueles jogos de passatempo que eu fazia quando criança, tentando adivinhar, num quadro cheio de traços, a forma de pessoas e de animais. Troquei e-mails com Andrea (aqui o nome é masculino), e pedi-lhe que me mandasse alguns daqueles desenhos escaneados para que eu tentasse fazer uma história.

Mas o lugar mais impressionante da feira é uma sala que, no primeiro dia, tem apenas paredes brancas, mas logo, logo, vai se enchendo de amostras de trabalho e anúncios de ilustradores. É um lugar que vai se construindo. Uma beleza estranha e estrondosa, feita de fragmentos de pequenas belezas. Quanta gente talentosa desenha nesse mundo! Fiz esse pequeno vídeo para vocês terem uma idéia da sala.

Quando já estava me preparando para sair, arrumando a mochila próximo à lanchonete, perguntei as horas a uma homem de traços levemente orientais. Ele respondeu, eu agradeci e, enquanto eu terminava de me organizar, ele perguntou se eu era ilustrador. Falei que era escritor, e começamos a conversar. Ele trabalha para uma empresa chamada FikaPublishing, que produz conteúdo para os iPhones: livros infantis adaptados para a tela de um celular. Ele me mostrou um exemplo, e gostei bastante da idéia de colocar livros em telas, ainda mais porque os direitos de autor são de 63%, bem mais que os 10% a que temos direito num livro convencional. Ainda estou me coçando para acessar o site e ver as possibilidades. No final, perguntei o que queria dizer “fika”, e ele falou que, em determinada língua nórdica (esqueci o país), a palavra significava uma parada no trabalho para tomar um lanche e conversar um pouco. Comentei com ele que era justamente o que estávamos fazendo naquele momento. Ele riu. Despedi-me de Dat, e tomei meu rumo de volta ao hotel.

No dia seguinte, o último da feira, eu havia combinado um almoço com Elena, com quem eu tinha mantido contato por e-mail, já que ela seria uma das minhas possíveis anfitriãs em Bologna pelo CouchSurfing. Mesmo com o tornozelo meio deslocado, Elena me guiou por um pequeno passeio pelo centro de Bologna, e me levou para almoçar um delicioso ravioli, cujo único defeito era ser pouco. Aliás, contra todos os prognósticos, tenho emagrecido desde que cheguei à Itália. Depois do almoço, ela quis me mostrar o melhor sorvete do mundo, na Gelateria Casteglione. Tomei um sorvete triplo de cacau, pistache e edoardo. Isso mesmo, havia um sorvete chamado “edoardo”. Delicioso, é claro. Aliás, o sorvete inteiro era de uma cremosidade que fazia carinho na boca. Não sei se é o melhor sorvete do mundo, mas sempre que pensar em sorvete, vou lembrar dele.

Elena, tentando desfazer a primeira má impressão que tive de Bologna, fez de tudo para me alegrar durante nosso horário de almoço. E conseguiu. Falei pra ela que deveria tê-la conhecido logo no primeiro dia. Ela fez questão de me levar até a parada do ônibus que conduzia à feira, para que eu não corresse o risco de me perder mais uma vez em Bologna.

De volta à feira, por volta das duas da tarde, pensei que ia comprar muitos livros baratos, pois me avisaram que as editoras, para diminuírem a bagagem da volta, vendiam os livros a preço de banana. Mas cheguei um pouco tarde. Os estandes estavam praticamente todos desmontados ou as bananas que haviam me interessado não estavam mais disponíveis. Comprei apenas três bananas argentinas de uma editora de que gostei bastante: Pequeño Editor. Eu também estava de olho em alguns livros italianos, mas, como eles não tinha problema de bagagem, os preços estavam de damasco. Encerrei então minha participação na feira. Agora só restava esperar pelo dia seguinte para tomar o trem para Firenze.

Aproveitei o tempo no hotel para atualizar os diários de viagem, continuar a leitura de Pinocchio, no original, e ver um pouco de TV. Minha compreensão do italiano está melhorando, e olha que eu só vou começar meu curso de italiano na segunda-feira.

Aliás, percebi que essa viagem está acontecendo em fases. A primeira, em Roma, foi a fase turística. Aqui, em Bologna, foi mais trabalho. Em Firenze, será mais estudo. E quando sair de Firenze, no final de maio, terei ainda umas duas semanas numa quarta fase que não sei exatamente como será: talvez a fase da extrema saudade. Deve ser esse um dos sentidos de se aventurar: jogar-se ao vento, à sorte, à ventura.

3 comentários:

  1. EDu,
    Que vontade de estar aí!!!!! Já que não posso estar fisicamente, fico imaginando vocês aí o tempo todo. Estamos juntos em pensamento, fique certo.Também me delicio com suas postagens, seus relatos desta rotina diversa e encantadora. Que tal fazer uma foto da nossa turma no cantinho do Brasil e mandar pra que eu poste no blog? É pedir demais?
    Pode mandar para o meu e-mail:alessandraroscoe@uol.com.br
    beijos cheios de saudade e encantamento

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  2. Acredite Junoca, os sentimentos por aqui, ao ler seu texto, são como se eu estivesse vivendo tudo isso :o) Dá para sentir o gosto do sorvete, o friosinho na barriga, por ter pego o trem errado, a vontade de continuar a conversa com Giulia e o namorado, o cansaço, a saudade e o gostinho da massa a bolognesa.
    Obrigada pela bela viagem!
    Que cada dia seja melhor que o anterior.
    Bjs, Tia Monca

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  3. Alê e Tia Monca, eu que já não aguentava mais viajar sozinho, estou encontrando prazer nessa viagem acompanhada da leitura de vocês. Próxima parada: Firenze(Florença.

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