sábado, 28 de março de 2009

De volta pra casa?

Na saída de Bologna, meu sentimento era um misto de alívio e de preocupação. Alívio por estar livre dos contratempos da cidade. Preocupação por temer que algo parecido acontecesse em Florença e que eu me decepcionasse com uma das duas únicas cidades do mundo que eu tinha vontade de conhecer -- a outra é Florianópolis.

Então desembarquei na estação de Santa Maria Novella meio desconfiado. Mas havia um centro de informações para turistas -- aberto -- e isso já me acalmou um pouco. A caminhada até o hotel também foi animadora. Percorrendo a Via della Scala, procurando pelo número 1, vi de tudo que alguém pode precisar: restaurantes, lanchonetes, gelaterias, lavanderias, papelarias... Eu só ficava me perguntando onde estaria a escada, porque eu estava traduzindo "scala" por "escada". Quando cheguei ao hotel, pensei que tivesse me enganado de tradução, mas foi só abrir a porta para eu ver uma enorme escada que eu teria que subir para chegar a algum lugar que fosse a recepção. Na verdade, depois do primeiro vão de escada, havia outro. E depois deste, mais outro. Ufa!

Mas a senhora que me atendeu era simpática, e se chamava Cristina, e isso -- acreditem -- é meio caminho andado. O hotel é antigo e simples, acho que seria mais adequado chamá-lo de pensão, e eu tive uma empatia imediata com meu quarto. Um lugar onde eu poderia morar tranquilamente por um mês. E, se não bastasse, a internet era gratuita. "Talvez pegue no quarto", disse Cristina, "mas, se não pegar, com certeza pega no hall", na verdade, em um pequeno palco situado no lugar onde o corredor faz a curva. Fiz logo o teste. Não deu sinal no quarto, mas consegui uma boa conexão no canto da curva do corredor, com o notebook apoiado sobre uma mesinha simpática. Atualizei o diário de viagem e liguei para Alba, que estava me ouvindo muito baixo e se impacientou.

Voltei para o quarto, tirei algumas coisas da bagagem e saí para a rua, tendo o mapa que Cristina me deu no bolso do casaco. Não sei o que me deu, mas saí do Tourist House sem cachecol nem luvas. Foi bom assim: o frio estava no confortável limite entre o insuportável e o suportável, algo em torno dos 15 graus. Almocei na Grotta di Leo. Pela primeira vez na Itália, escolhi o menu turístico, com entrada, primeiro prato, segundo prato, acompanhamento. Pensei que seria muito, mas é tudo em pequena quantidade. De todo modo, foi mais do que eu estava acostumado a comer, e devo retomar meus almoços mais leves a partir de amanhã.

Para ir ao centro da cidade, onde estão as principais atrações turísticas, tive que passar novamente em frente à pensão. E em frente à pensão há uma sorveteria, una gelateria. Saí chupando o sorvete (aqui não é padrão se oferecer a colher) e vi que tinha um banco do lado de fora. Sentei ali e fiquei olhando a paisagem, que consistia de uma antiga igreja, Santa Maria Novella e de um homem tirando fotos de sua mulher ou namorada. As fotos devem ter ficado bonitas, independente da habilidade do fotógrafo.

O certo é que, independente da paisagem, eu me sentia à vontade. Havia algo no ar que me entrava pelo nariz de forma bastante familiar. Quando comecei a caminhar na direção do Duomo, o sentimento de familiaridade só crescia. Eu comecei a ralentar o passo e a sorrir sozinho. Pode parecer estranho eu estar dizendo isso há milhares e milhares de quilômetros de Brasília, de Teresina e de Fortaleza, mas a sensação foi de voltar para casa.

Dei uma volta no Duomo, que é lindo, e olhei todas aquelas pessoas, todos aqueles turistas, como um fiorentino olharia, admirando a admiração deles diante de algo que pra mim era de uma lindeza comum, cotidiana. Voltei para o hotel.

Ontem escrevi que essa fase da viagem, em Firenze, seria de estudo. Mas me lembrei que não foi assim que a concebi originalmente. A idéia de passar um mês em Florença era pra poder viver como italiano, e não como turista. Matricular-me num curso foi uma maneira de me socializar melhor.

Então se é pra viver em Firenze, o que eu poderia fazer numa sexta-feira à noite? Pegar um cineminha. No retorno do passeio pelo centro, a internet pegou no quarto, então pude pesquisar os filmes e cinemas na maior tranquilidade. Optei por um cinema a 400 metros da pensão e por um filme chamado "Diverso da chi?", algo como "Diferente de quem?"

No caminho até o cinema, mais surpresas boas: pequenas lojas abertas. Interessante como, desde o domingo terrível em Castel Maggiore, lojas abertas me trazem uma segurança de colo de mãe.

O cinema se chamava Fulgor. As salas tinham nomes de planetas. Entrei na sala Mercurio, que estava longe de estar lotada, mas fiquei impressionado como os italianos falam. Felizmente, não muito durante o filme. "Diverso da chi?" é uma comédia romântica sobre um triângulo amoroso entre um casal gay e uma solteirona. Um dos homens do casal, candidato a prefeito, se apaixona pela solteirona, que é candidata a vice-prefeita pelo mesmo partido. O desdobramento da situação é, ao mesmo tempo, hilário e enternecedor. Não consegui entender tudo o que diziam, perdi algumas piadas (em que todo o cinema ria), mas consegui rir algumas vezes (mesmo quando os italianos não riam) e gostei bastante do filme: um bom programa leve.

Voltei pra casa. A sensação de casa foi mais intensa porque a recepção fecha às 18h, então ficamos com a chave da porta de entrada. Não é pra se sentir em casa abrir uma enorme porta de madeira de um prédio antigo no centro da cidade? Quando cheguei no quarto, não consegui dormir imediatamente. Estava excitado. Na verdade, durante a viagem, essa foi a primeira vez em que saí do hotel à noite. Eu sempre caminhava durante o dia e ficava exausto à noite. Em Firenze, mesmo depois de uma viagem no meio do dia e de um passeio à tarde, eu ainda tinha tido disposição para sair à noite. Bom sinal.

Enfim, coloquei-me debaixo das cobertas, que me aqueceram tão bem, e dormi.

P.S. - Esse relato sairia sem imagens. Talvez porque Firenze tenha me parecido tão familiar que nem pensei em tirar fotos. Afinal, quem tira fotos da própria casa? Mas então resolvi pegar algumas imagens da internet dos lugares por onde passei. No final das contas, dá no mesmo.

2 comentários:

  1. Oi, Junoca. Que bom voce estar se sentindo em casa, talvez mais a vontade. Tambem fico tranquila por voce (jah que estou viajando junto com voce rsrsrs) Um abraco familiar. Ceita

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  2. Fala baixo, Ceíta, senão minha senhoria vai desconfiar que no quarto, em que era pra dormir um, estão dormindo um monte. :)

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