segunda-feira, 30 de março de 2009

Sim senhora, professora

Ontem, logo que fechei o notebook, o bloco de desenho e o lápis, juntos, ao mesmo tempo, exclamaram:

-- Allora? Vai ficar só no blablablá ou vai desenhar alguma coisa?

Foi o jeito eu arriscar uns traços. Nada impressionante, como vocês podem ver aí ao lado, embora eu achei que me sairia pior. Creio que o mérito é do papel, do lápis e borracha florentinos. Primeiro me vieram à mente os guarda-chuvas, depois as borboletas. Então resolvi desenhar olhando para algo, no caso um adesivo que peguei na feira de Bologna e que colei na tampa de meu notebook.

Depois fui tomar um banho. Aliás, existe uma coisa comum em todos os lugares que já passei: o chuveiro-ducha, se é que posso chamá-lo assim. É uma ducha grande que, quando fixada numa espécie de coluna, vira um chuveiro; ou, dizendo de uma outra forma, é um chuveiro destacável que, quando tirado, se transforma numa ducha. Eu, particularmente, gostei da idéia. Alguém sabe se isso está disponível no Brasil?

Depois do banho, cama. Com Pinocchio. Interessante que, na minha lembrança, Pinóquio era uma historinha curta sobre um boneco de pau que gostava de mentir. Mas que nada! É uma história longuíssima, e Pinocchio passa por um tanto de coisa, mete-se em todo tipo de situação, fala com os bichos... O boneco apronta tanto que às vezes chego a sentir raiva dele. Mas é uma história interessante. E poder começar a ler em mais uma língua, agora italiano, é realmente maravilhoso.

Dormi com frio, aquecido pelas cobertas, mas acordei de madrugada com uma sensação que fiquei na dúvida se poderia chamar de calor. Era uma espécie de ardência. Até fiquei pensando se era algum tipo de doença ou alergia, mas dormi logo em seguida. Quando acordei, estava bem, então deve ter sido só o calorzinho das cobertas e do aquecedor, embora Bigi tenha me dito, pela manhã, que o aquecedor é automaticamente desligado entre uma e cinco da manhã: “porque um pouco de frio faz bem pro sono”.

Antes de passar adiante, preciso falar um pouco mais de uma das cobertas, porque as mulheres me perseguem surpreendente e maravilhosamente. Não, eu não recebi a visita de ninguém no meu quarto à noite, visto que ele estava fechado à chave. Falo da própria coberta, que tem várias vezes o símbolo de Vênus, a Deusa do Amor, gravado na borda, e, ao lado de cada símbolo, a palavra “mulher” escrita num idioma diferente. Dormi me sentindo abraçado por mulheres do mundo todo.

Conforme combinado, Bigi havia preparado o café às 8h. (Ela, na verdade, me disse que prefere que eu a chame pelo sobrenome, mas aqui, no diário, continuarei chamando-a pelo primeiro nome, até pra melhor garantir sua privacidade.) Quanto ao café, era simples e bom: caffelatte, pão em torradas, burro (manteiga, gente!), geléia, ricota. Terminei o café às 8h25 e não tive tempo calmo suficiente para fazer meu cocozinho, que talvez tenha que mudar de horário para a tarde ou a noite.

Peguei o ônibus 6, cheio quase lotado. Fazia uns 20 aos que eu não pegava um ônibus para ir à escola. Tudo bem, em Teresina eu pegava ônibus para ir à universidade. Mas eu era professor-pesquisador, e não aluno. De todo modo, pegar ônibus cheio me fez pensar em ir caminhando para a escola, que deve levar no máximo meia hora.

No Istituto Italiano, a alegre redescoberta do sentido de uma palavra comum, corriqueira, ordinária: “secretaria”. Nunca havia me ocorrido nada de especial sobre a palavra “secretaria”, mas quando vi no Istituto uma placa com a indicação “segreteria”, eu sorri de alegria por descobrir o segredo daquela palavra. Quer dizer, então, que secretaria é um lugar de segredos? E, por consequência, que a secretária é uma repositória de segredos, uma espécie de confidente? Que coisa maravilhosa! Esse é um dos grandes benefícios de aprender outras línguas: a similaridade com algumas das palavras de nossa própria língua faz com que descubramos significados ocultos naquilo que falamos no dia-a-dia.

Ia tudo bem, no Istituto, quando a minha confidente, a secretária, Giuliana, perguntou se eu queria entrar no nível 1 ou se preferia fazer o teste. Bom, se eu estava entendendo o que ela estava dizendo, poderia pelo menos arriscar o teste. Quando entrei na sala, já tinha um monte de aluno escrevendo, o que me levou a pensar que cheguei atrasado. Como não estou usando celular, e como há muito tempo não tenho relógio, o tempo aqui na Itália, pra mim, tem sido uma coisa meio inexata. Pois foi só eu tirar o casaco e o cachecol, e começar a fazer a prova, pra perceber que eu deveria ter estudado um pouquinho mais de italiano antes de chegar aqui. Claro que eu havia me preparado. Eu tinha visto filmes e programas de TV, tinha ouvido discos e rádios,tinha lido artigos e textos, tinha até mudado o idioma de meu e-mail para o italiano, mas não tinha me dado ao trabalho de decorar umas conjugações verbais. E era basicamente disso que se tratava a prova, a qual deixei em branco pelo menos pela metade quando a entreguei.

Alguns minutos depois, na mesma sala, diante de todos, a professora me chamou para o teste oral. Na verdade, ela chamou “Eduardo, de Brasile” e, enquanto eu caminhava do fundo da sala até a mesa da professora, um outro homem sentou na cadeira em frente a ela. Eu disse “Anch’io sono Eduardo di Brasile”, “eu também sou Eduardo, do Brasil”. Ela então mostrou a prova para que reconhecêssemos a letra. Era minha. Saudei meu xará, ele se levantou e eu me sentei. No teste oral, devo ter me saído um pouco melhor do que no teste escrito porque a professora, incrivelmente simpática, disse que ia me colocar no nível 2. Claro que ela, olhando novamente a prova e tirando um pouco a simpatia da cara, completou: mas você vai ter que estudar! “Sim senhora, professora”. E assim eu me vi de volta aos bancos escolares.

Quando todos terminamos o teste, os diretores do Istituto, um casal, falaram sobre a escola e sobre o dia-a-dia em Florença. Ele falaram por pouco mais de uma hora e o mais impressionante é que, até onde posso avaliar, eu entendi tudo o que eles disseram. E eles explicaram tão bem que nenhum de nós, a maioria vindo a Florença pela primeira vez, fez uma pergunta sequer. Mentira, um homem que estava sentado atrás de mim perguntou como se fazia para alugar uma bicicleta. A única pergunta que eu queria fazer já me fora respondida durante a exposição: “quem tivesse laptop, poderia trazê-lo e usufruir da conexão gratuita sem fio, de uma às seis da tarde,desde que usasse apenas a bateria do laptop, sem ligá-lo na tomada”. Será que a energia aqui é mais cara do que a conexão? Bom, isso não importa muito. É suficiente saber que terei umas duas horas de internet por tarde, de segunda a sexta-feira.

Isso me fez começar a conceber minha rotina nas próximas quatro semanas: acordar às 7h30, fazer a higiene matinal, tomar café às 8h, sair para a escola às 8h30, assistir aulas de 9 a 13h, almoçar perto da escola (ah, que delícia cada coisa que tenho almoçado), voltar por volta de 14h30 para acessar a internet, retornar para casa. Em alguns dias, posso ficar na escola para a programação cultural das 16h (estou particularmente interessado nos filmes), em outros dias posso guardar a energia para ir à noite ao teatro (estou pensando em comprar o PASSTEATRI, um passe que dá direito a assistir seis espetáculos por um preço reduzido).

Almocei num dos restaurantes indicados pela escola, que ficava a umas três quadras de distância. A comida, um Lunghini alla Pescara, estava deliciosa. O preço era até bom, 7 euros (não converta, não converta, não converta), mas me cobraram uma espécie de 10%, o coperto, que na verdade era uns 30%, 2 euros. Acho que, a partir de amanhã, vou comer lá onde comi as borboletas: gostoso, ainda um pouco mais barato e vizinho à escola. Embora seja difícil resistir a experimentar novos restaurantes ou então cair na dieta bolognesa de vez em quando: pizza, pizza, pizza.

Às duas, estava de volta ao Istituto porque haveria um passeio guiado pela cidade. Pensei que ia ser uma coisa rápida, só situando a gente, mas desconfiei de que seria algo diferente quando a guia falou que terminaria perto de 18h. Acompanhei o grupo, de todo modo. A guia ia parando nos prédios históricos e falando aquelas coisas que os guias falam. Cansei da brincadeira na terceira explanação, pedi licença e voltei caminhando pra casa. O fato de algumas lojas estarem fechadas, porque era o horário de pranzo, me lembrou de que eu também merecia um cochilo. Perto de casa, parei pra comprar água na loja de um imigrante em cujo país não se deve tirar cochilo depois do almoço, porque a loja estava abertíssima.

Em casa, fiz – graças a Deus – um cocozinho e tirei uma soneca de quatro às cinco. Comi um cioccolato, para tirar o amargo da boca, e peguei logo um livrinho de italiano para viagem e abri na página de gramática: “Sim senhora, professora, vou estudar”. Fiquei na cama, recitando verbos por mais de uma hora. Agora já tenho uma idéia melhor de como falar as coisas no presente, no passado e no futuro.

Com o fim da tarde, o frio começou a atacar e vim para o computador escrever o diário. Depois jantar, banho, desenho, Pinocchio, cama. Dormir cedo, acordar cedo, chegar à escola na hora, receber o material escolar e recomeçar, pra valer, minha vida de estudante. Pelo menos pelas próximas quatro semanas. Porque estudar cansa – isso não tenho como esquecer.

5 comentários:

  1. Oi, Eduardo,
    Foi super legal te reencontrar em Bologna!
    Estou acompanhando o seu blog na Itália.
    Bjs
    Socorro Acioli

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  2. Legal Júnior!
    Aqui a gente fica viajando, aprendendo e bem feliz com a sua felicidade.
    Boa Sorte e fique sempre com DEUS!
    Bjs.....
    Nanda Custódio

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  3. Junoca, fiquei a imaginar como serah seu ultimo dia de aula e qual serah a avaliacao da sua professora. Beijos

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  4. Socorro, também foi bom reencontrá-la. Fiquei feliz em saber que você está viajando junto. :)

    Amém, Nanda.

    Ceíta, só espero que ela não me diga: "Eu deveria ter lhe colocado no nível 1". :)

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