sábado, 4 de abril de 2009

Uma metáfora que aconteceu

Acontece raramente, mas é um privilégio ver uma metáfora acontecer. Porque primeiro vem o acontecimento, que o poeta transforma em metáfora. Para o poeta, a metáfora já aconteceu. Para aqueles que escutam a metáfora, ela normalmente é o relato poético de algo que eles jamais verão. Por isso é um privilégio ver algo que já aconteceu acontecer novamente, porque nos permite ser poeta de um verso que já está escrito. E hoje uma metáfora me aconteceu...

Chegaram ao mesmo tempo, para mim em Florença, o Sol e um e-mail de Luiza, minha querida amestra, isso mesmo, amestra, amiga que é também mestra. E não só minha, mas de tanta gente boa, feito Manu, que um dia compôs um poema canção para Luiza, dando palavra e som a um sentimento meu, de Fabiano e de todos Os interno do pátiO:

O nosso amor, Luiza,
tem que ser vivido
de forma musical.
Nosso tesouro é vida,
são nossas amizades
etc. e tal.
Vi o sol nascer,
parecia com você,
tinha o seu calor,
brilhava forte feito amor.

Então a metáfora de Manu, de que a Luiza é o Sol, aconteceu para mim nesse dia 3 de abril, uns dias depois do aniversário de Luiza, que eu esqueci, mas que prolongo aqui, nessa revivência de metáfora.

Eu nem sabia que Luiza estava acompanhando meu diário de viagem. E o que a tirou de seu silêncio foi a referência que fiz à Primavera, de Botticelli. Vejam que basta isso para que o quadro de Botticelli assuma uma grande importância. Não fosse pelo traço, pela composição, pelas cores, apenas por isso já valeria a pena Botticelli tê-lo pintava. Apenas por provocar em mim um comentário, e por esse comentário ser motivo suficiente para Luiza me escrever. Não é só a Chuva (de Fabiano), mas também a Primavera (de Botticelli), que faz a gente se encontrar.

E fez também com que se encontrassem um pombo e uma pomba, que pude ver da janela da sala de estudos do Istituto Italiano, que tem vista para o Duomo. Vejam que um pouco de sol, marcando verdadeiramente o início da primavera, faz com que se realize também a metáfora, já quase um clichê, do “casal de pombinhos”.



É... com a primavera vem o sol e, com ele, as saias sem meia-calça por baixo, os decotes, os ombros à mostra. Até mini-saia eu vi ontem em Florença (possivelmente de uma finlandesa ou de uma norueguesa). O sol faz derreter os gorros, as luvas, os casacos. As pessoas, ao primeiro sol de primavera, ficam à flor de sua própria pele.

Ontem foi um dia de filmes. Italianos, claro, pois tenho que praticar a compreensão da língua. Às sexta-feiras, no Istituto, são exibidos clássicos do cinema italiano. Ontem fiquei para assistir a “I Girasoli”, do Vittorio di Sica. Um filme antigo, até com a imagem meio gasta, ainda mais sendo projetada por um datashow numa parede que um dia já foi branca. Mas foi só o filme começar de verdade, foi só ele realizar aquilo que todo bom filme realiza, foi só ele me convencer de que não se tratava de filme, mas da própria realidade, bastou isso, para que os girassóis fossem girando na minha cabeça e produzindo maravilhas. Que filme lindo! Lindo como Sofia Loren e lindo como, possivelmente, Marcelo Mastroianni. Que história tocante de uma amor pequeno que ficou grande, de um amor grande que ficou perdido, de um amor perdido que foi reencontrado, de um amor reencontrado que se tornou desencontrado, de um amor desencontrado que se viu partido, de um partido que se junta no coração de qualquer pessoa que já girou em seu peito um amor de sol. Saí do Istituto assobiando a música tema do filme, como se quisesse soprar no ouvido das pessoas que passavam por mim a semente de girassóis de amor.



Quase tudo em mim se adaptou – para melhor ou para pior – ao fuso horário na Itália, menos meu cochilo. Quase todo dia, tiro um cochilo às 18h30, 13h30 aí no Brasil. Depois do cochilo de ontem, mais um filme, mais uma vez no cinema Fulgor, ao qual eu poderia ir a pé. Fui sem nenhum filme em mente, pensando apenas em assistir a um filme italiano. Cheguei à bilheteria 10 minutos antes de começar “I Mostri Oggi”, que eu traduzi corretamente como “Os Monstros Hoje”, embora não tenha entendido direito a que se referia. Bastaram poucos minutos para eu entender: humor ácido, irônico e sarcástico, no melhor estilo italiano de “Parente, Serpente”. O filme trazia pequenas histórias, independentes umas das outras, em que se mostrava o lado menos bom, para usar um eufemismo, do gênero humano. De um torcedor do Roma que seduzia uma paraplégica para roubar-lhe a cadeira de rodas e garantir, como deficiente, um melhor lugar no estádio de futebol até uma psicóloga que induz o marido de sua amiga ao suicídio. Em outros tempos, eu teria rido até me acabar. Dessa vez, ri menos. Ultimamente, esse tipo de humor já não me faz rir tanto.



Voltei caminhando, ouvindo o sussurro do Arno. Em casa, não tive coragem de enfrentar a água, mesmo quente. Gato congelado tem medo de água quente. Um dia sem banho, mas um dia feliz: o sol, a primavera (enfim!), Luiza, girassóis... antes de dormir, a repetição do que mais tenho feito durante essa viagem: “Gracias a la vida, que me ha dado tanto...”

2 comentários:

  1. Girassol combina com quase tudo, né? Música, sorriso, filme, abraço, afeto, jardim, céu azul... Primavera na Itália e tela que já foi branca, mas ainda serve pra se contar história.

    Acredito que sua aventura na Itália renderá não só ótimas crônicas, mas também aquele aprendizado bom que a alma da gente gosta de ver estampado... Na vida da gente.

    Bacio!

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  2. Sim, Carla, tanto tenho aprendido. Mas acho que só vou me dar conta mesmo ao retornar. :)

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