domingo, 19 de abril de 2009

As portas da fantasia

Até o Inverno sente saudades de Firenze, e retorna de vez em quando com seu cinza, seu frio e sua chuva...

Quando sabiam que eu passaria dois meses na Itália, algumas pessoas me disseram para aproveitar e conhecer outros países: França, Alemanha, Portugal, Espanha... “É tudo tão pertinho”, diziam. E eu sempre respondia que queria mesmo ficar só na Itália, aprender o idioma, viver. Porque não me sinto muito bem no papel de turista, querendo conhecer tudo, ir a todos os museus, fazer todas as visitas “obrigatórias”. (Para vocês terem uma idéia, só fui conhecer o Cristo Redentor lá pela 3ª vez em que fui ao Rio de Janeiro.) Também não dou conta de viver como uma pessoa da outra cidade ou do outro país, simplesmente porque não idealizo a vida de um boliviano, de um peruano ou mesmo de um italiano; trabalham duro e têm seus problemas como todo bom brasileiro. Minha vontade era, e é, viver como se fosse eu mesmo, mas numa cidade diferente. Viver, claro, uma versão um pouco diferente de mim mesmo, um eu mesmo mais aventureiro, mais propenso a riscos, a descobertas, mas, fundamentalmente, eu mesmo.

Settimana scorsa, semana passada, foi assim em Firenze. Tanto que não me surpreendi muito ao ver que não havia tirado foto nenhuma. Eu estava simplesmente vivendo na cidade. Comecei a escrever meu primeiro texto – um conto tradicional – diretamente em Italiano, estudei para a scuola, invece simplesmente freqüentar as aulas, fui ao cinema e ao teatro, comprei um jogo de tabuleiro para enviar para minha irmã e cunhado, iniciei a leitura de um novo livro (Fiabe Italiane, do Ítalo Calvino)... E justo quando estava vivendo exatamente aquilo que eu tinha vontade, percebi que os dias da partida já estavam sendo contados, em contagem regressiva. E os dias têm sido, desde então, matizados por uma saudade invisível da qual tenho falado e que pode ser vista em meus olhos.

Fiz uma lista do que ainda deveria fazer em Firenze antes de partir dia 25. Uma lista até pequena, que começava com “subir à cúpula do Duomo” para ver a cidade de cima. Quase todo dia, da janela do 3º andar do Istituto Italiano, eu como uns deliciosos biscoitos olhando para a cúpula do Duomo, onde estão turistas corajosos, dispostos a subir mais de quatrocentos degraus, em espiral, para chegar ao topo de Firenze. Mesmo o Istituto sendo praticamente vizinho ao Duomo, os turistas, lá em cima, parecem pequenos, minúsculos, como se fossem de brinquedo. Eles olham para baixo, com suas câmeras fotográficas, enquanto eu olho para cima. E foi comendo um biscoito que me ocorreu que, talvez, o Duomo não tenha sido feito para se subir e para se olhar para baixo, mas para que se pudesse olhar para cima: uma desculpa para olhar o céu, encarar o sol, perceber nossa pequenez e, quiçá, compreender que o buraco é mais em cima. Então, quando fechei o pacote de biscoitos, fechei também a minha lista: cancelei de uma vez por todas minhas obrigações de turista.


Mas sempre sobra um farelo que atrai uma formiga que passa por qualquer porta. E um item da minha lista eu ainda desejava fortemente cumprir: ver a mostra “As portas da fantasia”, do artista plástico Giuliano Ghelli. Lembram daqueles manequins coloridos que eu havia visto num dos passeios ao longo do Arno? Pois é, entre um delicioso papardelle e meu primeiro iPod, fui ver a exposição, que até gratuita era. Numa cidade em que se paga por tudo, fiquei até envergonhado de não pagar nada para ver as obras de arte mais bonitas que vi até aqui, e comprei o catálogo da exposição.
São as cores, gente. A Itália que eu vi até aqui é carente de cores: é tudo muito pastel. É como os bustos do próprio Ghelli: lindíssimos corpos de mulher cravejados de fantasia, mas sem cor. Nas telas, as cores explodem como se fossem um carro atingido por uma colombina incendiária. Não são simplesmente quadros que retratam portas, são as próprias portas das cores e da fantasia abertas para nós.

E eu saí da Sala de Armas do Palazzo Vecchio sonhando em ter livros ilustrados pelo Giuliano Ghelli.

P.S. Não posso deixar de mencionar, apenas mencionar, outras coisas dessa semana fiorentina... DOIS FILMES: Tutta colpa de Giuda; e Questione di Cuore. DOIS TEATROS: um buffet seguido de show musical no Teatro Dal Sale; e Amor e Psiche no Teatro della Pergola.

5 comentários:

  1. Oi Junoca,
    acompanhar você nessa viagem,tem me feito lembrar daquela palestra do PW que diz "... quando você dá o melhor de si à vida, ela retribui..." Fico muito feliz por você.
    E prá onde "viajaremos" dia 25?
    Bjs, Tia Monca

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  2. Salve Edu!
    Viva a primavera e viva Firenze!
    Qual o nosso próximo destino? Já estava me acostumando aí, mas acho bom partir para que vc chegue aqui algum dia... tenho novidades para lhe contar!
    Bjm saudoso e inté!

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  3. Tia, também lembro um bocado dessa frase, e tenho tentado dar cada vez mais um pouco do melhor de mim. :) Ah, arrume as malas que vamos para Viareggio. Se o tempo ajudar, tomaremos banho de mar. :)

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  4. Dri? é tu?

    Esse seu argumento vai ser um verdadeiro antìdoto contra a minha saudade de Firenze. :) Pròxima parada: Viareggio, no sàbado.

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  5. Oi, Junoca. Pra mim soou novidade quando voce disse: "Viver, claro, uma versão um pouco diferente de mim mesmo, um eu mesmo mais aventureiro, mais propenso a riscos, a descobertas..." Eu imaginava voce, permanentemente, um tranquilo aventureiro. Que voce sinta-se bem nessa nova versao. Beijo

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