sexta-feira, 3 de abril de 2009

Google X Bigi

Ontem resolvi ir ao teatro. Tudo certo, espetáculo escolhido, trajeto definido, bilhetes do teatro e do ônibus comprados.

Quando fui me despedir de Bigi, dizendo que pegaria o ônibus 6 e depois o 7 (conforme havia visto no Google Maps), ela disse que o 7 não me levaria ao teatro. Abrimos o mapa de Firenze, confabulamos um pouco, ela ligou para um serviço de informações e eu, em meu aperreio, temia perder a hora do teatro. Ao final, Bigi falou que eu deveria pegar o 20 ou o 14, após o 6. Peguei o 6 e, dentro do ônibus, ainda não havia me decidido se obedeceria à Bigi ou ao Google. Se eu desobedecesse a Bigi, seria difícil encará-la no dia seguinte, quando certamente perguntaria como foi meu trajeto. Se desobedecesse ao Google, perderia a confiança nas pesquisas de futuros trajetos. Durante aqueles 15 minutos até a Piazza San Marco, me ocorreu que o inferno não é simplesmente a falta de comunicação, como diz Pepeta, é também a dúvida, a incapacidade de escolher entre uma alternativa e outra. O que, no fundo, talvez seja só uma incapacidade de entender a comunicação da Vida, que nos indica qual a melhor escolha. Quando desci na Piazza San Marco, já havia decidido. O 20 ou o 14, conforme Bigi? Não. Então o 7 do Google? Também não. Resolvi pegar um táxi. É, há que se ter esperteza para escapar do inferno.

Outra esperteza, para não correr o risco de não entender o que se falava no teatro, foi escolher um espetáculo de mímica (Splash) de um grupo espanhol. Comprei ingresso na segunda fila, mesmo correndo o risco de acabar participando ativamente do espetáculo caso ele fosse interativo. Ao meu lado sentaram uma italiana e seu filho de uns 7 anos. Aliás, havia várias outras crianças no teatro, mesmo o "texto" da "peça" não sendo muito adequado em alguns momentos. A italiana era muito simpática, e, quando soube que eu era brasileiro, até cantou um pouquinho de "Mas que nada" e de "Isaura". Gente, que é isso? Tem muito brasileiro que nem conhece "Isaura". E a mulher era impressionante, porque cantou junto várias músicas (de várias nacionalidades) da trilha sonora do espetáculo.



O espetáculo terminou com uma divertidíssima guerra de bolas de meia entre os atores e a platéia. E o filhinho da italiana participou com a máxima disposição, entrando inclusive em "luta" corporal com um dos atores. Brincou e brigou tanto o menino que, quando sua mãe o procurou ao final do espetáculo, não o encontrou mais. Ela ficou lá na porta da sala, procurando, esperando... Eu, ao sair do teatro, vi o menino e retornei para avisá-la. O reencontro foi bonito ("Felippo! Felippo!) e me fez imaginar como foi quando me perdi de meus pais ainda criança. É um episódio que minha mãe conta, mas do qual não tenho uma lembrança direta.

Findo o espetáculo, eu tinha um problema: como voltar. Sim, porque Bigi parecia estar mais certa do que o Google, e eu não podia confiar no trajeto que havia planejado online. Além do mais, o teatro ficava fora da zona exposta no mapa da cidade. Eu havia literalmente passado dos limites. Pensei até em perguntar para a italiana como poderia pegar um táxi ou um ônibus, mas temi que ela achasse aquilo algum tipo de abuso ou que se oferecesse para me dar uma carona. Não sei por que, mas aquele pensamento me deu um certo medo, e preferi caminhar no sentido oposto ao que o táxi tinha usado para me trazer. Uns 600 ou 700 metros depois, cheguei a uma praça, Piazza Leopoldo. Havia um rapaz na parada e ele falou que um ônibus passaria dali a uns 20 minutos com destino à estação, coisa que pude comprovar no poste da parada. Aliás, essa é uma verdadeira maravilha italiana: em cada parada de ônibus existe um poste onde estão afixadas as rotas e os horários de todos os ônibus que param ali.

Quando cheguei à estação, o motorista falou que eu teria que esperar 40 minutos, até a meia-noite, por um ônibus que me levaria para perto de casa. Como não gosto muito de esperar, e essa já seria a segunda vez na noite, resolvi caminhar o restante do percurso: aproximadamente, a mesma distância que faço da escola pra casa todo dia.

O frio era suportável, sinal de que a primavera está mesmo chegando, e o céu estava parcialmente claro, me permitindo a companhia da minha lua favorita, a lua-meia, que aqui, assim como em Brasília, é inclinada, e não a lua-meia cama, horizontal, que acho genial e que se pode ver em Fortaleza ou Teresina.

Só quando eu já estava para dobrar a esquina final foi que a Lua se despediu, cobrindo-se ela mesma com um grosso lençol de nuvens, mas translúcido o bastante para que se visse o brilho dessa mãe que vela por nós toda noite.

E eu também fui dormir feliz: pelo teatro, pela mãe e pelo filho, pela caminhada, pela Lua... por ser o mundo esse lugar impressionante e espetacular que se desdobra aos pés e aos olhos de um viajante.

2 comentários:

  1. ...que você sempre encontre saidas inteligentes do "inferno". :o)
    Bjs,
    Tia Monca

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  2. HAHAHAHAHAHAHA Adorei a esperteza para escapar do inferno. E eu nem tinha pensado nisso. Beijo

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